Habitação acessível e revitalização urbana: o desafio central do próximo mandato autárquico

12-09-2025

A habitação voltou ao centro da agenda pública em 2025. À medida que nos aproximamos das eleições autárquicas de 12 de outubro, torna-se evidente que o próximo mandato terá de responder, em simultâneo, à escassez de habitação acessível e à revitalização de espaços urbanos hoje subaproveitados. Estes dois vetores são condições para a coesão social, a competitividade económica e a qualidade de vida nos territórios.


2025 em números: o retrato que interpela a ação local

  • Preços: no 1.º trimestre de 2025, os preços das casas subiram 16,3% em termos homólogos, atingindo máximos históricos.
  • Mercado: entre janeiro e março, o valor transacionado alcançou 9,6 mil milhões de euros (+42,9% face a 2024).
  • Oferta acessível: apenas ~16% do stock disponível está abaixo de 150 mil euros, concentrado sobretudo em Castelo Branco, Viseu e Coimbra.
  • Construção nova: apesar de sinais de retoma, o aumento de ~32,5% em fogos licenciados tem impacto limitado na acessibilidade, travado por custos de terreno, materiais e mão de obra.
  • Procura e arrendamento: a pressão permanece mais intensa nas áreas urbanas, dificultando o acesso ao arrendamento e acentuando desigualdades territoriais.
  • Financiamento público: em agosto de 2025, foi anunciada uma linha de 1.300 milhões de euros para apoiar até 133 mil novas casas no âmbito das estratégias municipais.


O que cabe às autarquias: competências e instrumentos

Os municípios estão no centro da resposta pela capacidade de:

  • Gerir o solo urbano e o ordenamento (PDM), articulando habitação, mobilidade e equipamentos.
  • Executar Estratégias Locais de Habitação (ELH) e programas de arrendamento acessível.
  • Reabilitar edificado devoluto e ativar património municipal, com ARU/ORU a enquadrarem intervenções integradas.
  • Mobilizar investimento através de PRR, PT2030 e programas setoriais, atraindo capital privado, cooperativas e setor social.


Revitalização urbana: do devoluto ao bairro vivo

A requalificação de centros históricos e zonas de baixa densidade urbana deve combinar:

  • Reabilitação do edificado e reconversão de usos (habitação, comércio de proximidade, serviços de base).
  • Espaço público qualificado (mobilidade pedonal e ciclável, praças, zonas de estadia).
  • Incentivos fiscais e urbanísticos orientados a resultados (por exemplo, majorações/benefícios em ARU).
    Este é o caminho para fixar população, dinamizar o comércio local e reforçar identidades.


Prioridades para 2025-2029: do planeamento à entrega

Em primeiro lugar, importa aumentar a oferta acessível com programas municipais de arrendamento acessível e habitação a custos controlados, articulados com as Estratégias Locais de Habitação. A aquisição e reabilitação de edifícios devolutos deve ser acelerada, mobilizando património municipal e incentivos urbanísticos em ARU/ORU, e convocando cooperativas, IPSS e parcerias público-comunitárias para ampliar escala.

Em segundo lugar, é crucial garantir execução com financiamento certo. Os municípios devem estruturar um pipeline de projetos com maturidade técnica (estudos prévios, projetos de execução, cronogramas, estimativas orçamentais) alinhado com PRR, PT2030 e a nova linha de 1.300 M€, sequenciando candidaturas e obras. Uma governação clara — com equipas de projeto, marcos de decisão e acompanhamento mensal — reduz atrasos e aumenta a taxa de concretização.

Terceiro, é necessário licenciar com previsibilidade. Procedimentos e prazos devem ser claros e monitorizados, criando balcões dedicados a projetos habitacionais prioritários, reforçando a digitalização dos processos e a articulação com entidades externas (infraestruturas, património, ambiente). Indicadores públicos de desempenho — tempo médio de emissão de pareceres e de licenças — ajudam a dar confiança a promotores e cidadãos.

Quarto, a política de habitação deve articular-se com a mobilidade e os serviços. A nova oferta deve localizar-se junto a eixos de transporte público, equipamentos e emprego, promovendo usos mistos, densidade equilibrada e modos suaves. Esta integração reduz custos de contexto para as famílias, melhora a qualidade de vida e aumenta a atratividade dos bairros.

Por fim, a revitalização urbana deve integrar objetivos de inclusão social. Projetos com mix de tipologias e perfis (jovens, idosos, famílias monoparentais, estudantes) e soluções de realojamento faseado evitam deslocações forçadas e fortalecem as comunidades. Espaço público qualificado, comércio de proximidade e participação dos residentes no desenho das intervenções são pilares para transformar património subutilizado em bairros vivos e resilientes.


Indicadores a acompanhar (governação por resultados)

  • Fogos iniciados/concluídos por tipologia e preço-teto.
  • % de oferta em arrendamento acessível no parque público/colaborativo.
  • Tempo médio de licenciamento e taxa de conclusão de projetos ELH.
  • N.º de edifícios devolutos reabilitados e m² reabilitados em ARU/ORU.
  • Evolução do preço mediano (€/m²) e do rácio renda/rendimento por freguesia.
  • Variação de residentes e dinâmica do comércio local nas áreas intervencionadas.


Entramos no novo ciclo autárquico com pressão social elevada, financiamento disponível e instrumentos maduros (ELH, PDM, ARU/ORU). O sucesso medirá a capacidade de transformar solo e património em casas a preços praticáveis, com ritmo de execução, licenciamento previsível e indicadores públicos de desempenho. Habitação acessível e revitalização urbana não são apenas promessas de campanha: são infraestruturas sociais que sustentam comunidades mais coesas, economias locais mais vibrantes e cidades mais equilibradas.